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Ah, a ironia sutil da vida moderna, digna de um capítulo perdido de “1984”, onde nos encontramos mais preocupados com o que acontece do lado de fora do que com o tumulto interno. Como diria Hamlet, “há algo de podre no reino da Dinamarca”, e eu diria que esse cheiro é a nossa própria alienação. Vivemos tempos em que a introspecção é tão rara quanto a proverbial caça ao Snark de Lewis Carroll.

Imagine só: um dia feio, chuvoso, tão sombrio quanto o coração de Heathcliff em “O Morro dos Ventos Uivantes”. Minha insônia, essa companheira fiel, deixou-me mais tarde do que um coelho branco de “Alice no País das Maravilhas”. E, claro, minhas tentativas de fazer graça eram tão eficazes quanto as tentativas de Quixote contra moinhos de vento. A raiva? Ah, minha fúria era digna de Aquiles, mas por uma razão tão fútil quanto um episódio de “Madame Bovary”.

A cena patética de abrir mais de 100 disquetes, aqueles relíquias de uma era passada, à procura de algo que não estava lá. Sentia-me como Sísifo, empurrando minha pedra montanha acima apenas para vê-la rolar novamente. E ao encontrar aqueles disquetes 5 1/4″, percebi que tudo passa. Nós passamos, como folhas ao vento em um romance de outono de Emily Brontë. As modas, as tecnologias, até mesmo nossos pequenos vícios e prazeres – todos destinados a desaparecer como “Os Cantos de Maldoror”, conhecidos por poucos e entendidos por menos ainda.

Lembram-se do Zipmail? Épocas em que o e-mail era algo excitante, quase mágico. Hoje, essa magia se desfez como os sonhos de Gatsby, espalhada e perdida ao vento. O interesse por trivialidades é efêmero, tal qual o tempo perdido de Proust. O “hoje” rapidamente se torna mais ultrapassado do que a pedra polida de nossos ancestrais, um eco distante em nossa incessante corrida para lugar algum.

Então, aqui estamos, presos em nosso próprio “Inferno”, sem necessidade de um Virgílio para nos guiar. Como seres humanos, estamos realmente lascados, mais deslocados do que Gregor Samsa ao acordar transformado. E quem sabe, qualquer dia desses, quando olharmos para trás, perceberemos que o passado foi um terreno ainda mais estranho e alienante do que poderíamos ter imaginado.

– Cristiano Ricardo

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